QUE DEIXA MARCA NA HISTÓRIA LOCAL
A passagem de Neto, ocorrida de maneira violenta na noite de ontem, em Picuí, evidencia o poder político da amizade. Não pela extremidade do fato, claro. Mas pela trajetória do jovem falecido.
Aos dezoito anos, quando escreveu um dos mais belos textos da filosofia política, Étienne de La Boétie, amigo de Montaigne, dissertou sobre a amizade na política:
- (...) a amizade é um nome sagrado, é uma coisa santa; ela nunca se entrega senão entre pessoas de bem e só se deixa apanhar por mútua estima; se mantém não tanto através de benefícios como por meio de uma vida boa.
La Boétie viveu 33 anos. Quando morreu, em 1563, Montaigne chorou, e registrou seu sentimento em “Os ensaios”, escritos entre 1571 e 1592.
Motaigne conhecia a concepção de amizade de La Boétie, que dizia:
- (...) o que torna um amigo seguro do outro é o conhecimento que tem de sua integridade; as garantias que tem são sua bondade natural, a fé e a constância. Não pode haver amizade onde está a crueldade, onde está a deslealdade, onde está a injustiça.
Aos 20 anos, Neto participava de um grupo político que buscava a Justiça por meio da amizade. Aquele grupo, para quem o observava com mais experiência, sempre foi motivado muito mais pela amizade do que pelo socialismo.
Para os que buscam a Justiça, há um conforto: segundo Aristóteles, ela “é um hábito que nunca morre”.
Na "Carta sobre a felicidade", Epicuro afirma:
- Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações.
Não se pode romper com a realidade da morte, no que se refere ao imperativo da finitude material. Mas o ser humano não é apenas o corpo. É, também, a sua própria imanência.
Logo, a sensação de perda deve ser atrelada à sensação de continuidade. Mas qual continuidade? A do projeto político. Da associação dos amigos para o bem comum. Dos sonhos que continuam.
Marilena Chauí diz que a “fortuna é potência arbitrária que nos atinge de fora”. Ela levou o ser humano, mas ficaram a memória, a dignidade, o exemplo.
- Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver, disse Epicuro. Para ele, “(...) quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos”.
Os pais, a família, os amigos precisam focar na vida que Neto viveu. Foi nela que ele construiu sua trajetória e tomou parte nos movimentos que o motivaram a lutar por aquilo que achava certo.
O Sindicato dos Servidores Públicos Municipais do Curimataú e Seridó (SINPUC) fica com a lembrança da soma desse jovem querido em nossas lutas que, pela sua presença, se tornaram mais fortes.
A todos nós, que sentimos a partida desse amigo com nome de santo humilde, cumpre o dever de mirar a sabedoria porque, como ensina Epicuro, “O sábio (...) nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não viver não é um mal”.
Para que a vida de cada um não seja um fardo diante da morte do outro, vale a pena lembrar a última passagem da peça “Antígona”, escrita por Sófocles:
- Só há felicidade com sabedoria, mas a sabedoria se aprende é no infortúnio. Ao fim da vida os orgulhosos tremem e aprendem também a humildade.
Para Neto, que “não precisa mais de nós”, como refletiu Antoine de Saint-Exupéry, no livro Piloto de Guerra, dizemos:
- A luta continua!
Sua vida nos motiva. Sua morte... nos torna mais humildes.