PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO:
UMA LEI DE SOPA DE LETRINHAS
Charles Dinoá
O Projeto de lei 008/2015, de autoria do vereador Joaquim Vidal de Negreiros Filho (PTB), se sancionado, não é proveitoso para os estudantes.
A constituição diz que é garantida a liberdade de pensamento e de crença. Convicções políticas, filosóficas e religiosas se adquirem com a formação do cidadão. Desse modo, não é o professor quem vai incutir no aluno a doutrina que ele terá que seguir. É como time de futebol, partido político, etc., cada um segue o caminho ou o entendimento que acha mais correto.
Vejo a necessidade de mudar no projeto o inciso VII do artigo 1º, onde se lê: “direito dos pais a que seus filhos não recebam educação moral que venha a conflitar com suas próprias convicções”. É na educação moral que a criança aprende valores, noções de cidadania, de direitos, de como se comportar na sociedade, de cumprir a lei, etc.
“Podemos dizer que Moral é o mundo da conduta espontânea, do comportamento que encontra em si próprio a sua razão de existir. O ato moral implica a adesão do espírito ao conteúdo da regra”. Este é o entendimento de Miguel Reale, impresso da página 44 do clássico livro “Lições preliminares de direito”. O mestre ainda completa: “A moral, para realizar-se autenticamente, deve contar com a adesão dos obrigados. Quem pratica um ato, consciente da sua moralidade, já aderiu ao mandamento a que obedece”.
Daí, independentemente de qual seja a convicção do aluno e de seus pais, essas regras devem ser exaustivamente repassadas aos alunos. Diferentemente das convicções religiosas ou mesmo ideológicas.
No artigo 3, inciso V do projeto de lei, entendo que não tem como o professor avaliar quando o conteúdo pode estar em conflito com as convicções religiosas e morais de seus alunos, haja vista que o Brasil é um país laico, onde são reconhecidas todas as religiões: catolicismo, protestantismo, espiritismo, candomblé, etc. Como proibir? No caso caberia, no mínimo, uma emenda supressiva para retirar este inciso.
Por fim, acho que o texto deste projeto, apesar de ser uma cópia fiel do Projeto de lei 2.974/2014, apresentado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, está misturando religião, moral e política.
Sabemos que é proibida por lei a propaganda política, ideológica e religiosa dentro de sala de aula. Isso não é novidade. Mas a administração pública dispõe de meios para combater e punir, sem que tolha o direito ao debate entre os jovens em sala de aula. O professor, neste caso, é um mero coordenador do debate e estimulador da formação política-ideológica do estudante.
O projeto de lei visa combater a cooptação ilícita de votos, mas mistura-se com religião e moral.
Interessante que o texto fala em “programa”. Mas qual é o programa? Não vi nenhum! São somente proibições. Se realmente fosse um programa deveriam estabelecer a forma como se daria esses esclarecimentos acerca da liberdade de consciência e de crença e como seriam ministrados aos alunos.
A Lei de Diretrizes e Bases da educação, em seu artigo 26 diz: “Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”.
O parágrafo primeiro detalha: “Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil”.
Entendo que os professores não terão prejuízos, até mesmo porque seus conteúdos serão objeto de planejamento pedagógico. O prejuízo ficará para os alunos que, caso o texto seja sancionado, no todo ou em parte, se perpetuarão nas convicções políticas, morais e religiosas de seus pais.
O “Escola sem partido”, ao que tudo indica, é apenas uma sopa de letrinhas.
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Charles Dinoá é advogado e assessor jurídico do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais do Curimataú (SINPUC).